sexta-feira, agosto 26, 2005

METROSSEXUAL

Chorei e sofri por oito dias. Pois, meu marido corria perigo de vida.

Mas não vou enganar ninguém, dizendo que não sorri; aliás, que não ri, ou,
para piorar, que não dei umas boas gargalhadas.

Será que sou maluca?

Bem, meu marido foi atendido e socorrido por um médico aparentemente
metrossexual.

Sabem o que é um metrossexual?

É um novo tipo de homem das grandes metrópoles. Não é exatamente gay (pode
até ser gay, mas nunca bicha louca), nem é machão (odeiam o machismo).

Apreciadores de mulheres, porém não desgostam de homens. Cultuam a beleza e
o prazer.

Curtem se depilar, fazer sobrancelha, usar t-shirts apertadinhas, calças de
cintura baixa, roupas de grifes famosas. Extremamente vaidosos com os
cabelos, unhas e tudo mais. Questão de estilo no vestir, no pensar, no agir.

Pois é, o cara que salvou a vida do meu marido faz bem esse tipo.

Não era para eu ter reparado, né? Tinha que ter ficado ligada direto na
possibilidade da morte. Afinal, o sofrimento foi feito para superar o riso.

Bem, o doutor metrossexual é um mestre em sua profissão, um puta
cardiologista e elegantérrimo (elegantíssimo é coisa de macho).

Soube tomar todas as iniciativas nas horas certas, foi perfeito em sua
intervenção.

Eu? Olhei em princípio com cautela, quase desconfiança, aquele homem tão
novo e tão vaidoso. Confesso que pensei: “Tu é gay, tu é gay que eu sei.”

Ele, após ter colocado meu marido na UTI, chamou-me para conversar.

Desabei na hora. “Chorei, chorei até ficar com dó de mim!” Eu e ele ficamos
com dó da Rosa. Como o plantão estava para terminar, ele resolveu ficar mais
um pouco.

Ele, calmo e cheiroso; eu, estressada e sem tomar banho.

Conversamos muito e muito. Sobre doenças cardíacas, sobre doenças da alma.
Nos despedimos com um abraço. Meu anjo da guarda, talvez. Assim decretei e a
ele participei.

No dia seguinte, quando voltei, esperei que ele chegasse e tive a sensação
de reencontrar um amigo já íntimo. Anoitecia e o plantão dele seria noturno.
Novamente começamos a bater papo, sobre mentes e corações, com leves
interrupções da rotina hospitalar.

Minhas unhas ruídas, as dele polidas. Eu não conseguia falar baixinho, quase
gritava, ele apenas sussurrava. Ele sorria, eu chorava. Ele comia, eu
jejuava.

Kadu (apelido dele) foi meu companheiro nesta jornada de oito dias que hoje
parecem oito anos.

E fomos almoçar juntos para ver se eu engolia algo. Tomamos mil cafezinhos,
falamos de moda, violência, música, cinema, estresse. Tínhamos ídolos em
comum: Al Pacino, Ghandi, Chico Buarque. Todos na nossa lista. Sonhos
parecidos, vícios semelhantes. Nós dois tomamos frontal; nós dois torcemos
pelos bandidos num monte de filmes; nós dois choramos pra burro em
“Sociedade dos Poetas Mortos”; nós dois somos loucos pelo George Harrison.

No último dia da UTI, sabíamos que nossa intimidade acabaria ali. Coisas de
confessionário. Amigos de viagem, que juram eternidade e partem de nossas
vidas sem despedidas. Um tchau, a gente se vê por aí...

Mundos diferentes em almas semelhantes. Desejos parecidos em corpos
diferentes, uma década nos separando nas vivências. Eu com histórias
sofridas, ele com histórias a sofrer.

Comparsas por uma semana no tal jogo da vida. Saímos vitoriosos.

Último cafezinho confidente. Pergunto a ele de repente:

— Você é gay?

— Aparento?

— Um pouco, de tão belo, arrumado e sensível. Meu preconceito induziu-me a
concluir.

— Sentiu o quê?

— Que sou babaca.

— Babaca é o discurso machista que molda os comportamentos entre os sexos.

— Elegante, intuitivo, emotivo e bonito. Pode parar!

— Vai se apaixonar?

— Se já não fosse, sim.

— Ia perder seu tempo.

— Sou feia?

— Não

— Chata?

— Não.

— Então?

— Anjos não têm sexo, mas um “Alberto” me faz quebrar a regra.

— Seja feliz, promete?

— Seremos, prometemos?

(Rosa Pena)

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